domingo, novembro 20, 2005

Cap. XIV - Hospício

Corredores escuros e compridos, paredes manchadas do mofo que crescia entre os rejuntes mal feitos. Janelas no alto da parede, mas mesmo assim gradeadas.
Ela queria muito ver a luz do sol do lado de fora daquele lugar. Não sabia ao certo porque a consideravam tão perigosa que mal poderia chegar ao jardim.
Em algum quarto daquele mesmo lugar estava o seu irmão. Igualmente preso e repreendido.
Os enfermeiros a buscaram no quarto e sem muitas explicações começaram a conduzi-la por aqueles corredores mal iluminados. Em pequenas salas de TV ela via pessoas estranhas fazendo coisas esquisitas.
Levaram-na até uma pequena sala. Um dos enfermeiros se dirigiu até uma sala que ficava ao lado. Ela pode ler a placa, estava escrito “Diretor”. Ao olhar para o lado pode se dar conta que havia uma janela ali. Tentou se levantar para se aproximar da janela. O enfermeiro que ficou a deteve. Mas mesmo distante ela pode ver uma parte da rua e as marcas do inverno sobre a vegetação.
O outro enfermeiro voltou e, segurando ela pelo braço a levou até a sala do diretor.
Era uma sala bem diferente de todo o resto. Era bem iluminada, espaçosa e bem decorada. Um quadro na parede a recordou de um quadro que havia na sua casa, talvez fosse do mesmo artista. Uma grande de estante de livros com diversos títulos estava à sua esquerda. À sua frente uma bela mesa decorada, com pés muito bem entalhados com desenhos de arvores e animais. Atrás das mesa estava um homem que parecia ter uns 45 anos, de óculos, aparência de homem sério. Ao vê-la chegar, dirigiu-se à mulher que estava sentada do outro lado da mesa, dizendo: “Aí está ela.”.
Quando a mulher se virou, se deu conta que era a sua tia materna. Olhou para ela com um tanto de esperança de que ela pudesse tirá-la dali. Mas fechou os olhos e imaginou que provavelmente havia sido ela quem mandou interna-la.
“Vocês podem trazer agora o garoto.” – Disse o homem atrás da mesa.
Ela começou a chorar diante da realidade. Nem mesmo sua tia poderia compreende-la. Mas pelo menos agora ela poderia ver o seu irmão por quem ela orava a cada instante.
“Eles tem tido algum progresso?” – Disse a tia.
“Mais ou menos, senhora. Eles ainda acreditam naquelas coisas. Temos dado alguns tratamentos, mas parece que estamos caminhando com passos de formiga. Creio que eles poderão melhorar muito, mas ainda estudamos um tratamento adequado.”
Nisso um dos enfermeiros abre a porta trazendo o irmão dela. Ele, ao vê-la, corre para abraçá-la. Os enfermeiros correm temendo que ele fosse agredi-la.
“Acalmem-se. Isto é apenas um carinho entre irmãos.”- Disse o diretor – “Sentem-se, crianças.” – apontado um sofá ao lado da mesa.
“Tenho certeza que vocês igualmente podem compreender a dificuldade no tratamento deles. Perderam os pais faz pouco tempo...”
“Claro! A senhora poderia me dar mais alguns detalhes? Isso poderia ajudar no tratamento.”
“Bem, senhor, os meus sobrinhos infelizmente aprenderam essas coisas com os pais. Minha irmã depois que se foi para outra cidade mudou muito. Acredita que fiquei sabendo após a sua morte que estavam se reunindo com um grupo? Parece que todos eles acreditavam nessas baboseiras...”
“Incrível que ainda exista resquícios dessas formas de pensamento...dessa religião...aqui no nosso país. Um país tão esclarecido das coisas, onde as pessoas podem estudar. Realmente é difícil de acreditar.”
“Pois bem. Acho que minha irmã e meu cunhado estavam igualmente loucos.”
“Na verdade, isto não é bem uma loucura. É um tipo de depressão que faz a pessoa buscar algo para se sustentar. No caso deles a sua sustentação tem origem muito antiga, num Deus criador e seu Filho que nasceu, morreu e nasceu novamente. Não, ele nasceu, morreu e ressuscitou. Uma história totalmente absurda.”
“É, um caso sério. Aproxime-se. O senhor já viu que ele tem um nome tatuado nas costas? Talvez seja desse deus ou desse filho...”
“Deixe-me ver. Enfermeiro, ajude-o a levantar a camisa para que eu possa vê-lo.”
O enfermeiro se dirigiu ao garoto que, fazendo sinal que poderia fazê-lo sozinho, levantou a camisa e virou-se. Estava escrito “Jesus”.
“Bem, senhora, eu tenho estudado bastante essas antigas culturas e essas tais religiões. Pelo que eu tenho estudado essa religião seria o cristianismo. E esse tal Jesus seria o filho que eu lhe falei que morreu, não, nasceu...”
“Sim, eu lembro. Mas, será que há uma cura?”
“Talvez. Por enquanto temos tomado algumas medidas. Não temos deixado ter contato um com o outro e nem com outros pacientes para que não seja alimentada essa crença. Temos lhes administrado alguns remédios para dormir, evitando assim que pensem naquelas besteiras. Eles já tem melhorado um pouco. Já não falam em voz alta com o seu suposto Deus...”
“Isso é bom. Venho então daqui a três meses ver se eles já melhoraram. Espero leva-los para a minha casa em breve.”
“Ótimo. Buscaremos então ressocializá-los. Devo adverti-la que talvez eles nunca melhorem, talvez fiquem em constante tratamento. Mas será um prazer vê-la em breve.”
“Obrigado, Sr. Diretor. Já tenho me preparado, reformei os seus quartos, caso fosse necessário continuar lá o tratamento. Até a próxima. Tchau queridos. Gostaria de vê-los bem....mas a tia ama vocês do jeito que são.”
A tia saiu da sala e o diretor foi acompanhá-la até a porta da instituição. Os enfermeiros se colocaram na porta da sala do diretor.
“Acho que eles não nos ouvem.”
“Sim, mas fale baixo, meu irmão.”
“Eu consegui esconder uma bíblia no meu quarto. Você tem um também, não é?”
“Sim”
“Vamos continuar orando em pensamento. Vamos dar a eles a impressão que estamos melhores para poder sair deste lugar.”
“Tá bom. Talvez indo para a casa da nossa tia poderemos passar tempo juntos.”
“Certo. Vamos parar de falar. O diretor está voltando...”
E os enfermeiros os levaram de volta aos seus quartos.